O cristianismo, enquanto uma das maiores religiões do mundo, é composto por diversas tradições e vertentes que, embora compartilhem princípios fundamentais, apresentam características teológicas, litúrgicas e organizacionais distintas. Entre essas tradições, o anglicanismo ocupa uma posição peculiar, situando-se entre o catolicismo romano e o protestantismo reformado. Com uma história marcada por rupturas e conciliações, o anglicanismo é frequentemente descrito como uma via média (via media) dentro do cristianismo ocidental.
Este artigo tem como objetivo oferecer uma visão comparativa entre o anglicanismo e outras importantes tradições cristãs, como o catolicismo romano, o protestantismo reformado (especialmente o luteranismo e o calvinismo) e a Ortodoxia Oriental. Serão abordados aspectos doutrinários, estruturais, litúrgicos e históricos, a fim de proporcionar uma compreensão clara das semelhanças e diferenças entre essas vertentes da fé cristã.
1. Origem e História do Anglicanismo

O anglicanismo surgiu oficialmente no século XVI, durante o processo conhecido como Reforma Inglesa, iniciado pelo rei Henrique VIII. O rompimento com a Igreja Católica Romana teve, a princípio, motivações políticas e pessoais — como a recusa do Papa em anular o casamento do rei — mas acabou desencadeando transformações profundas na teologia e organização da Igreja na Inglaterra.
Ao longo dos séculos, o anglicanismo consolidou-se como uma tradição religiosa autônoma, especialmente após a promulgação dos 39 Artigos da Religião (1571), que delinearam sua doutrina. A criação do Livro de Oração Comum (Book of Common Prayer) também teve papel central na identidade anglicana, estabelecendo formas litúrgicas características.
2. Estrutura Eclesiástica
2.1 Anglicanismo
A estrutura anglicana é episcopal, ou seja, governada por bispos. Cada igreja nacional anglicana é autônoma, mas elas se reúnem em comunhão com a Comunhão Anglicana, cujo símbolo de unidade é o Arcebispo de Cantuária. No entanto, ele não exerce autoridade jurisdicional sobre as demais igrejas, atuando mais como figura simbólica e moderadora.
2.2 Catolicismo Romano
A Igreja Católica Romana possui uma estrutura hierárquica centralizada, com o Papa como autoridade suprema. O colégio de bispos e o clero estão subordinados ao Papa, que também é considerado infalível em questões de fé e moral, conforme definido pelo Concílio Vaticano I.
2.3 Protestantismo Reformado
O luteranismo e o calvinismo apresentam formas variadas de governo eclesiástico. O luteranismo conserva uma estrutura episcopal em algumas regiões (como na Escandinávia), mas em outras adota modelos mais sinodais. Já o calvinismo geralmente se organiza por meio de presbitérios e sínodos, seguindo uma estrutura presbiteriana.
2.4 Ortodoxia Oriental
As Igrejas Ortodoxas são também episcopais e organizadas em igrejas autocéfalas, cada uma liderada por um patriarca ou arcebispo. Não existe uma autoridade central equivalente ao Papa. O Patriarca de Constantinopla é considerado o “primeiro entre iguais”, exercendo um papel honorário.
3. Doutrina e Teologia
3.1 Escritura e Tradição
- Anglicanismo: valoriza tanto a Escritura quanto a Tradição. A doutrina é baseada em uma tríade conhecida como tripé anglicano: Escritura, Tradição e Razão.
- Catolicismo Romano: baseia-se na Escritura e na Tradição Sagrada, ambas interpretadas pelo Magistério da Igreja.
- Protestantismo Reformado: enfatiza a sola scriptura — apenas a Escritura como autoridade final.
- Ortodoxia Oriental: também valoriza Escritura e Tradição, incluindo os escritos dos Padres da Igreja, os concílios e a liturgia.
3.2 Sacramentos
- Anglicanismo: reconhece dois sacramentos principais (Batismo e Eucaristia) como instituídos por Cristo, mas também aceita outros cinco como “sacramentais”.
- Catolicismo Romano: ensina a existência de sete sacramentos.
- Protestantismo Reformado: geralmente reconhece apenas dois sacramentos — Batismo e Ceia do Senhor — como instituídos por Cristo.
- Ortodoxia Oriental: também reconhece sete sacramentos, chamados de “mistérios”.
3.3 Eucaristia
- Anglicanismo: admite uma ampla gama de crenças sobre a presença de Cristo na Eucaristia, desde uma visão simbólica até uma presença real (embora não transubstancial).
- Catolicismo Romano: ensina a transubstanciação, ou seja, a conversão substancial do pão e do vinho no corpo e sangue de Cristo.
- Protestantismo Reformado: o luteranismo sustenta a união sacramental (presença real sem transubstanciação); o calvinismo fala em presença espiritual.
- Ortodoxia Oriental: crê na presença real, mas evita definir com precisão o modo da transformação eucarística.
4. Liturgia e Culto

4.1 Anglicanismo
A liturgia anglicana é rica e formal, baseada no Livro de Oração Comum, que organiza o culto diário, dominical e as celebrações sacramentais. A linguagem é reverente e as cerimônias variam do estilo “alto” (semelhante ao católico) ao estilo “baixo” (mais simples, com influência protestante).
4.2 Catolicismo Romano
A missa católica é profundamente ritualística, com ênfase no sacrifício eucarístico. O latim foi a língua oficial até o Concílio Vaticano II, quando passou-se a usar os idiomas locais.
4.3 Protestantismo Reformado
As liturgias protestantes variam bastante. O luteranismo mantém formas litúrgicas mais tradicionais, enquanto igrejas reformadas ou evangélicas podem ter cultos muito simples, focados na pregação e nos cânticos congregacionais.
4.4 Ortodoxia Oriental
Os cultos ortodoxos são altamente ritualísticos e místicos, com uso extensivo de ícones, incenso e canto. A Divina Liturgia é longa e centrada na Eucaristia, celebrada em línguas litúrgicas tradicionais.
5. Autoridade e Interpretação da Fé
- Anglicanismo: não possui um corpo doutrinário único. As diferentes igrejas anglicanas adotam abordagens variadas, o que resulta em diversidade teológica interna.
- Catolicismo Romano: segue a autoridade do Magistério e do Papa para interpretar a fé.
- Protestantismo Reformado: enfatiza a interpretação individual da Bíblia, embora orientada por confissões de fé e líderes eclesiásticos.
- Ortodoxia Oriental: a autoridade reside nos concílios e na tradição viva da Igreja.
6. Moral e Questões Contemporâneas
6.1 Anglicanismo
Dentro do anglicanismo, há uma ampla variedade de posições sobre questões morais contemporâneas, como ordenação de mulheres, casamento entre pessoas do mesmo sexo e aborto. Algumas províncias são mais liberais, outras conservadoras.
6.2 Catolicismo Romano
A Igreja Católica mantém posições conservadoras sobre moral sexual, aborto e ordenação de mulheres, seguindo um código de ética tradicional e uniforme.
6.3 Protestantismo Reformado
As posições variam muito entre as diferentes denominações. Algumas igrejas luteranas e reformadas são bastante progressistas, enquanto outras mantêm posturas tradicionais.
6.4 Ortodoxia Oriental
Geralmente, mantém posições morais conservadoras, seguindo ensinamentos antigos da Igreja sobre família, sexualidade e ordenação.
7. Papel Social e Cultural
O anglicanismo exerceu e ainda exerce uma grande influência cultural, especialmente nos países da Comunidade Britânica. Sua presença é significativa em países como Inglaterra,Canadá, Austrália, Nigéria e África do Sul. A Igreja Anglicana frequentemente atua em causas sociais, educativas e humanitárias.
Quadro Comparativo: Anglicanismo x Outras Tradições Cristãs
Aspecto | Anglicanismo | Catolicismo Romano | Protestantismo Reformado | Ortodoxia Oriental |
Origem | Reforma Inglesa (século XVI) | Século I (Igreja primitiva) | Reforma Protestante (século XVI) | Século I (Igreja do Oriente) |
Autoridade Máxima | Escritura, Tradição, Razão (sem papa) | Papa e Magistério | Escritura (Sola Scriptura) | Tradição e Concílios Ecumênicos |
Governança da Igreja | Episcopal (bispos); Arcebispo de Cantuária como figura simbólica | Hierárquica e centralizada (Papa) | Presbiteriana ou sinodal, dependendo da denominação | Episcopal (Patriarcas e arcebispos autocéfalos) |
Sacramentos | 2 principais (Batismo e Eucaristia); outros como “sacramentais” | 7 sacramentos | 2 sacramentos (Batismo e Ceia do Senhor) | 7 “mistérios” (sacramentos) |
Eucaristia | Presença real variando conforme vertente | Transubstanciação | Presença simbólica (calvinismo) ou união sacramental (luteranismo) | Presença real (mistério, sem definição técnica) |
Liturgia | Litúrgica, com variações entre “alto” e “baixo” anglicanismo | Altamente ritualística e uniforme | Variável: de litúrgica (luterana) a simples (reformada) | Muito ritualística e mística, com canto e incenso |
Papel das Escrituras | Autoridade com equilíbrio entre Escritura, tradição e razão | Escritura e Tradição guiadas pelo Magistério | Escritura como única fonte de autoridade | Escritura interpretada dentro da Tradição da Igreja |
Ordenação de Mulheres | Permitida em várias províncias | Não permitida | Varia (algumas aceitam, outras não) | Não permitida |
Casamento entre pessoas do mesmo sexo | Varia conforme a província | Não reconhecido | Varia conforme a denominação | Não reconhecido |
Papel do Clero | Bispos, presbíteros e diáconos | Hierarquia clerical rígida | Pastores e presbíteros, sem estrutura episcopal (na maioria) | Bispos, padres e diáconos |
Crença na Virgem Maria | Respeitada, mas não com dogmas marianos como no catolicismo | Veneração e dogmas (Imaculada Conceição, Assunção, etc.) | Respeitada, sem dogmas marianos | Venerada, especialmente em festas litúrgicas |

Compreender as diferenças entre o Anglicanismo e outras tradições cristãs vai muito além de uma simples comparação doutrinária ou litúrgica. Trata-se de reconhecer como diferentes interpretações das Escrituras, da tradição e da autoridade eclesiástica moldaram identidades espirituais distintas ao longo dos séculos. O Anglicanismo se caracteriza por buscar um ponto de equilíbrio entre os pilares da fé, da razão e da tradição. Essa perspectiva o posiciona como uma expressão cristã que transita entre o catolicismo romano e o protestantismo reformado, oferecendo uma abordagem aberta ao diálogo, acolhedora e frequentemente mais receptiva às mudanças culturais e sociais da atualidade.
Ao mesmo tempo, as demais vertentes cristãs mantêm suas especificidades que continuam a atrair milhões de fiéis ao redor do mundo, seja pela profundidade de seus ritos, pela ênfase na Escritura, pela autoridade institucional ou por seus vínculos com heranças espirituais milenares.
A pluralidade dentro do Cristianismo evidencia que, embora as formas de expressão da fé possam variar, há um núcleo comum que une essas tradições: o seguimento de Cristo e o compromisso com valores como amor, compaixão e justiça. O diálogo respeitoso entre essas diferentes correntes não apenas enriquece a experiência religiosa, mas também contribui para a construção de pontes em tempos de polarização.
Assim, conhecer as distinções entre o Anglicanismo e outras tradições cristãs é um exercício valioso de respeito, aprendizado e aprofundamento da fé — seja para quem busca um caminho espiritual, seja para quem deseja compreender melhor a complexa tapeçaria doCristianismo no mundo atual.
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